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ENTREVISTA COM VALETE Et82

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Qui Jan 07, 2010 12:28 pm
1 - Antes de mais nada, porquê o nome Víris ?
Valete: Viris é como se fosse Valete em fonética helénica. Os gregos têm muitas palavras que terminam em íris. E Íris na mitologia grega era a mensageira de Deus para os Homens . e é dela que também vem o npme e o conceito do Arco-Iris como a ligação da Terra com o Céu. Eu sempre fui um fã da cultura grega e principalmente da Grécia Antiga, e era como se Viris fosse o Valete inspirado por toda aquela mitologia e também na sabedoria grega dos grandes oradores de Atenas.
2 - Valete, num dos teus textos dizes que um rapper sem flow é como um jogador de futebol sem pernas, embora reconhecendo que a metáfora é excessiva . Contudo, têm surgido manos como Halloween e Ghoya que mesmo não tendo flow conseguiram um buzz extraordinário e de certa forma "abanaram" o movimento, tu próprio ouves Keyta Mayanda e dizes que muitos manos te perguntam como é que consegues ouvir um rapper que nem flow tem. Não achas que muitos artistas utilizam o flow como modo de abafar a pouco lírica existente nos seus sons ?

Não achas que fazem falta mais Halloween's e Ghoya's ao movimento, ou seja, rappers sem flow mas com muita lírica ?....
Valete: São várias perguntas numa, vou tentar responder por partes: ....
Também acho que essa minha afirmação foi um pouco excessiva eheh. Na verdade o que eu acho que anda um pouco mal é a concepção que muita gente tem de “flow”. Muitos manos acham que ter flow é só andar a rimar em excesso de velocidade nos beats, fazer bué rimas silábicas e métricas acrobáticas. Ter flow é essencialmente soar bem em cima dos beats. É ter swing, é soar agradável em cima dos beats. Tu podes estar com bué jogos rimáticos e não estar a soar bem, enquanto outro mano pode ter um trabalho rimático mais simples e estar a soa mesmo bem.....
Resumindo acho que os rappers devem sempre ter flow, ou seja devem saber envolver as pessoas quando estão a rimar, porque no fim do dia isto é musica e tem que soar bem a quem vai ouvir. ....
Obviamente quando tens muito jogo rimático estás mais susceptível a tirar arrumação ás tuas letras. Principalmente quando estás a rimar temas, porque se for um som de estilo livre a arrumação das ideias nem é muito importante. Agora quando estás a rimar sobre um tema, se tens jogo rimático em excesso corres o risco de tirar força lírica e poética à tua letra, corres o risco de tirar perceptibilidade, objectividade e sentimento, corres o risco de não conseguir manter a tua letra com um principio, meio e fim organizado. Muitas vezes vês mc’s excessivamente preocupados com a estrutura rimática e depois as pessoas nem percebem bem do que é que eles estão a falar nos temas que fazem, e sentem que o que eles estão a cuspir não tem princípio, nem meio , nem fim. Está tudo confuso. Essa é talvez a maior lacuna dos mc’s que são mais estilistas que liricistas.....
Mas apesar de tudo eu gosto de ver mc’s com essa preocupação dos jogos silábicos e rimáticos, porque há mc’s que se não usarem esses jogos de rima e de flow. vão parecer mesmo muito básicos. Vão ficar muito mais expostas as lacunas que eles têm a escrever e a construir textos.. Os jogos rimáticos têm essa vantagem de camuflar lacunas que possas ter na tua escrita. Pelo menos assim alguns rapper até conseguem soar bem e é divertido ouvi-los. ....
Eu sempre vi essa cena das rimas silábicas e multies como dar toques e fazer acrobacias com a bola. Há jogadores que no campo não tem objectividade nenhuma, ficam só a fazer malabarismos e acrobacias com a bola, mas não deixa de ser bonito ver um gajo a dar bué toques e a fazer bué truques e malabarismos com a bola. Também é perícia, mesmo que seja inconsequente. ....
Quanto ao halloween e ao Ghoya há muita gente que gosta da cadência, gosta da voz deles, gostam da forma como eles soam em cima dos beats, por isso a tua afirmação de que eles não têm flow não é certamente assim tão pacífica. ....

3 - Eu pessoalmente sou um ouvinte de hip hop e acho que umas das suas grandes lacunas é o facto de não existir uma outra versão, por exemplo, quase todos os rappers entram com a mesma "lenga lenga", "eu sou street, sou real ", " Fuck Police ". Nunca ouvi ninguém a dizer que tinha orgulho de não ser street ou a criticar quem crítica sempre as forças policiais ou instituições do estado, eu percebo que muitas das vezes as críticas a essas instituições sejam justas, até porque vivo num bairro problemático e isso também me dá a capacidade de perceber que muitas dessas críticas não são fundamentadas . Normalmente quem diz que vive no gueto ou quem fala das injustiças do gueto é considerado "real", esquecendo-se que o facto de só mencionarem os "podres" do gueto não contribue em nada para uma outra visão de quem está de fora desse meio. Não achas que falta essa versão para o Hip Hop se tornar um movimento mais "real" ? ....

Valete: Percebo bem o que queres dizer. Acho que cada mano, deve e tem o direito de rimar sobre as coisas que lhe preocupam. Ser street pode ter várias definições, mas no caso em que falas de ser street e estar ligado ao crime acho que muitos manos têm essa atitude de achar que são mais reais que outros porque são ou rimam street, mas é ridículo porque ser da “street” nesse sentido nunca foi uma cena fixe.. Muitos manos estão lá porque não têm opção. E é paranóico viver sempre a olhar para trás, a veres quem vem atrás de ti, viver sempre pressionado pelos bófias. Viver a saber que o mais provável é acabares na prisão. E ainda com o facto de 99% dos manos que são da “street” não conseguirem rendimentos para ter uma grande vida. Quando se é miúdo até se pode tirar alguma adrenalina nisso, mas quando já és adulto estar nessa vida não é nada que valha a pena ser gabado. Por isso a ideia não é ser da “street” a ideia é sair da “street”. Porque é parvo eu achar que tu és uma grande cena só porque és da street, pelo contrário , até é mais provável que eu tenha compaixão por ti. ....

Resumindo, isso é uma atitude infantil que muitos rappers sempre tiverem, mas que tem muito pouco significado. Só tens que ser tu mesmo e ninguém é mais que ninguém.

4 - Na música " Quando o sorriso morre " com o Dino, tu dizes, " o colonialismo acabou " e aparece uma voz de fundo a perguntar, " será ? " . Qual é a tua opinião sobre o colonialismo, e se tu achas que acabou ou não ?....

Valete: O Colonialismo foi algo que provocou grandes desequilíbrios económicos e sociais entre os países, e que atrasou sobremaneira o desenvolvimento natural de muitas nações. A Imposição e o alastramento do colonialismo em certa altura foi das piores coisas que aconteceu na história da humanidade. Muita da fome, das guerras, da incompetência e do terrorismo governamental que vemos hoje em países africanos por exemplo, ainda são consequência disso. ....
O Colonialismo impôs conceitos como o racismo institucional, a segregação, a submissão de uns homens em relação a outros por causa da sua cor de pele, que hoje ainda se perpetuam. A presença da comunidade negra em Portugal é algo que faz muito lembrar o tempo colonial. Negros completamente desintegrados da vida social do país, negros na sua grande maioria direccionados para trabalhos precários, negros a sofrer altos níveis de descriminação laboral, policial, institucional. Negros ainda a conviver com uma ideia generalizada de serem uma raça de segunda. Ainda que camuflado e não oficializado a relação de Portugal com a comunidade negra é uma continuação da era colonial.

5 - Tendo em conta a tua carreira e a tua versatilidade musical, porquê tão pouca participação em albuns editados recentemente por outros mc's ? ( participação vocal entenda-se ) . Assim á cabeça, lembro-me de participações no álbum do Sam The Kid, Azagaia e poucos mais . ....
Eeheh por acaso não. No passado fazia poucas mas agora até tenho feito muitas. Para além dessas participei em sons de Royalistik, Regula, Dino, Juju Gomes, Dji Tafinha,…e ainda vão sair cenas que fiz com o Xeg, Gpro fam e com o Boss Ac ( que infelizmente acabou por resultar num som fraco, mas fiz um remix com o virgul que ficou com mais feeling) ....

Valete: Participava pouco antigamente, porque achava que ainda me estava a construir como mc e não tinha arsenal lírico suficiente para estar a fazer 20, 30 participações por ano. Hoje sinto-me em forma, sou o mc que sempre quis ser e consigo ter a versatilidade que sempre quis para poder rimar sobre qualquer tema e em qualquer estilo.


6 - Disseste numa entrevista via rádio que para um mc em portugal ser reconhecido pelos media tem de ter quase que obrigatoriamente um rótulo. O teu rótulo é o de mc-político, aproveitando esse rótulo pergunto se está nos teus planos tornares-te político ? Não tanto pelo rótulo mas mais pelo," porque eu trago o discurso que agiganta a comunidade ", dito por ti .

Valete: Lol, Não nunca. Acho que de vez em quando terei opinião política num ou noutro som, mas ser político nunca. ....

Eu acredito que os artistas hoje têm muito mais poder para mobilizar as pessoas do que os próprios políticos. Eu pretendo criar um movimento ( não político, mas espiritual) lusófono. E provavelmente se fosse político não o conseguira, enquanto que sendo músico com um som posso chegar ao Brasil, a Moçambique, a Cabo-Verde etc.

FONTE: hip hop lusofono
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